Cerrado e seus recursos hídricos são tema de debate
Mesa redonda "Importância do Cerrado para as Bacias Hidrográficas do Brasil" foi realizada pelo Encontro Nacional de Estudantes de Ciências Ambientais
Inserido no contexto das savanas tropicais, o Cerrado é reconhecido como o berço das águas, por abastecer oito grandes bacias hidrográficas do País. Apesar disso, enfrenta um amplo cenário de degradação, com a contribuição da agropecuária. O alerta foi realizado na mesa redonda realizada na manhã dessa segunda-feira (7/8), durante o Encontro Nacional de Estudantes de Ciências Ambientais. O evento também destacou a falta de uma adequada gestão pública dos recursos hídricos no Brasil.
Os professores do Instituto de Estudos Sócio-Ambientais (Iesa), Ana Paula Oliveira e Maxiliano Bayer, e da Escola de Engenharia Civil e Ambiental (EECA), Kátia Kopp, foram os convidados para levantar o debate. As fitofisionamias do bioma, sua contribuição hídrica, e a inadequada gestão da água foram as temáticas destacadas ao longo das apresentações.
De acordo com professora Ana Paula, enquanto formações vegetais, o cerrado apresenta áreas campestres com espécies herbáceas, savanas típicas formadas por capins e elementos lenhosos, e também formações florestais compostas por arbustos e elementos lenhosos. Conforme explicou, o que condiciona a existência do bioma é o clima sazonal, o oligotrofismo (o teor de nutrientes) do solo e o fogo. “Com estações de seca muito marcadas, pouca variação na temperatura e precipitações de chuvas entre outubro e início de abril, as plantas da região são adaptadas para evitar a perda de água”. De outra forma, a variabilidade de sua fitofisionomia se deve ao tipo de solo e sua umidade, às queimadas, e à ação do homem. “O segundo maior bioma do país já perdeu mais de 50% de sua formação original para a agricultura e a pastagem”, afirmou.
Professora Ana Paula, do Iesa, apresentou a fitofisionomia do Cerrado
Durante o período de seca, ao contrário dos elementos lenhosos, a vegetação herbácea não consegue acessar a água das camadas mais profundas do solo, ficando mais propensas às queimadas. “A formação campestre e de savana são mais adaptadas a esse fogo. O problema são as queimadas permanentes ou aonde não deveriam ocorrer, como nos fragmentos florestais”. Segundo a professora, quanto mais frequente e mais intensa as queimadas, mais aberta é a vegetação. “Por sua vez, as árvores tortas realçam a passagem do fogo naquela região”.
Conforme afirmou Ana Paula, a partir de dados de 2005, restam cerca de 40% de vegetação original do cerrado. “Hoje esse índice deve ser menor”. Apenas 8 a 10% dessas áreas são protegidas por unidades de conservação. “Isso não garante a defesa de nossas bacias hídricas, inclusive são áreas de pouco interesse da agropecuária”.
Água
Direcionando o debate para a questão hídrica, a professora da EECA, Kátia Kopp, apresentou os dados alarmantes de falta de acesso à água potável no País e no mundo. De acordo com os dados citados, 500 milhões de pessoas vivem em países com escassez crônica de água, 2,4 milhões vivem em locais onde o sistema hídrico está ameaçado e 633 milhões continuam sem acesso à água potável. No Brasil, 35 milhões de brasileiros não tem acesso ao serviço de abastecimento de água tratada e 70% da água doce disponível é utilizada pela agricultura, setor que mais utiliza água no mundo.
Índices negativos de acesso à água potável foram relatados pela professora da EECA, Kátia Kopp
“Apesar de o Brasil ser o país com maior disponibilidade hídrica do mundo isso não o deixa em uma posição confortável. São vários os problemas de escassez e falta de acesso à água. A água não está igualmente distribuída em seu território”, afirmou a docente, que ilustrou a falta de abastecimento de água em São Paulo e Brasília. De acordo com Kátia, é na região do cerrado, ou seja, no sudeste e no centro-oeste do país, que se concentram as maiores quantidades de pivôs de irrigação. “Isso reflete uma falta de gestão pública mais clara, observada especialmente no Estado de Goiás”. Para Kátia, ainda existe um descaso em relação aos recursos hídricos e mesmo ao Cerrado. “A agricultura, a pecuária e a expansão urbana tencionam o abastecimento hídrico”.
Ao final de sua apresentação, a professora apresentou alguns estudos de casos que confirmam a percepção sobre o descaso com a utilização e gestão da água. Exemplos de plantações de tomate que utilizam agrotóxico próximo aos rios e córregos, erosão e assoreamento de córrego pela pastagem, inadequada ocupação urbana foram encontrados em estudos realizados em Goiás. “O cerrado vem sendo destruído muito aceleradamente. Isso é muito preocupante para um país que vem enfrentando o desabastecimento de água”, afirmou.
Participação
Por sua vez, professor Maximiliano Bayer, destacou a importância de a sociedade ocupar espaços visando à participação efetiva nas decisões que dizem respeito à gestão da água no País e regiões. Conforme apresentou, 63% dos recursos hídricos são utilizados para a irrigação, basicamente da agropecuária, 18% para consumo humano, 14% para Indústria e 5% para consumo animal. Os dados, segundo o docente, remetem aos principais conflitos que existem em relação aos recursos hídricos.
Participantes do debate foram convidados a se envolver na política de gestão das águas
A Lei das Águas, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), foi citada pelo professor como uma ferramenta importante de defesa e conservação. A política criou o Sistema Nacional de Gerenciamento Nacional de Recursos Hídricos que abarca os Comitês de Bacias Hidrográficas, organismos colegiados e de composição diversificada. “A lei estabelece como instrumento de gestão os Comitês das Bacias, que permitiriam uma gestão mais democrática. Há portanto uma esperança. Mas em Goiás há uma deficiência de comitês”, afirmou.
Professor Maximiliano Bayer, do Iesa
As informações sobre os recursos hídricos das Estações Fluviométricas são deficientes, destacou o professor. “Não temos dados primários. Não há informações coerentes e precisas sobre a quantidade de água nós temos, quanto consumimos, qual a demanda. Como fazer uma adequada gestão sem dados e informações coerentes?”, questionou Maximiliano Bayer. A única possibilidade de a sociedade civil organizada ser escutada, na avaliação do docente, é via os Comitês das Bacias. “Temos que ocupar os espaços. Podemos criar os Comitês. Se deixarmos nas mãos de quem está hoje a gestão da água, não teremos boas perspectivas”.
Source: Ascom UFG
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