pivô central - Embrapa

Evento debate consequências da irrigação

On 03/28/17 16:46 .

Modalidade usa cerca de 70% da água captada no território brasileiro e divide pesquisadores

Texto e foto: Patrícia da Veiga

No contexto da crise hídrica, muito se especula sobre a necessidade de redução do consumo de água nas cidades. Mas, uma informação comprova que o perigo vem do campo: de acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), a irrigação usada na agricultura usa 72% da água captada no país. Quais as consequências disso? A questão permeou uma mesa redonda realizada nesta segunda-feira (27/3) no Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa), que reuniu pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) e Universidade de Brasília (UnB), além de representante do governo estadual. 

O primeiro convidado a falar foi João Ricardo Raiser, da Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos do estado de Goiás (Secima). Para ele, quando se fala em crise hídrica e escassez de água, é preciso entender que não é a água do planeta que está ameaçada, mas sim sua disponibilidade de uso. “A água vai acabar? Esse é um mito. O que pode acontecer é ela não estar mais disponível na qualidade ou na quantidade que esperamos”, afirmou. Por outro lado, João Ricardo desconstruiu a ideia de abundância, uma vez que 97,5% estão nos mares e dos 2,5% de água doce, 68,9% estão contidos em geleiras e 30,8% estão nos subsolos. “Temos muito pouco disponível para uso, o equivalente a 0,3% do que existe na Terra. Portanto, é a gestão desse recurso que provoca disputas”, confirmou.

Muitos são os usos da água na atualidade: geração de energia, abastecimento rural, irrigação, agropecuária, transporte hidroviário, abastecimento público, pesca, turismo, lazer etc. Tais usos não necessariamente têm como finalidade a satisfação de necessidades humanas, tanto, conforme denunciam as Nações Unidas, por ano, 1,5 milhão de crianças morrem no mundo por falta de abastecimento adequado em determinados territórios. Nesse sentido, foi discutido na mesa redonda se a modalidade campeã, a irrigação de lavouras, não seria um problema.

O último levantamento feito pela ANA, com data de 2014, indica a existência de 19,9 mil pivôs centrais em uma área total de 1,275 milhão de hectares. Minas Gerais, Goiás, Bahia e São Paulo concentram cerca de 80% desse espaço. Gracielly Cristina Carneiro, geógrafa egressa da FG, trouxe para o debate os resultados de seu mestrado, feito na UnB e publicado em livro (“Agricultura Irrigada no Foco da Geotecnologia”. Brasília: Ed. UnB, 2014). “Tento mostrar que é possível ter uma agricultura irrigada, mas que não seja prejudicial”, defendeu. Para ela, os problemas que podem vir a existir na captação da água para a irrigação, tais como desperdício ou liberação indiscriminada de concessões, podem ser resolvidos com pesquisa, planejamento, avaliação e rigor na outorga. “O problema não é a irrigação em si, mas como o uso é feito, sua necessidade, sua frequência. A água é um bem público e deve ser controlada pelo Estado”, declarou.

Outro olhar

Último convidado a se pronunciar, o professor do Iesa Marcelo Rodrigues Mendonça trouxe outra reflexão: “se há uma questão hídrica, e há, essa questão é precedida por uma questão agrária”. Ele convidou a plateia a fazer uma leitura a partir dos processos de modernização do território, com foco nas áreas do Cerrado. Assim, apresentou pesquisas feitas por ele e por outros colegas que abordam a destruição ambiental, a precarização do trabalho e a exploração dos recursos naturais (água, terra, biodiversidade) como consequências do agronegócio. Marcelo citou, por exemplo, a morte de veredas nas regiões de chapada, tanto em Goiás como em Minas Gerais, em função de desvios feitos para a irrigação de grandes lavouras, e ainda a poluição de mananciais em decorrência do uso excessivo de agrotóxicos nessas plantações. “Se há mitos sobre a água, e há, também há o mito da modernidade tecnológica”, questionou.

No debate, o professor convidou os presentes a lançarem outro olhar sobre o tema. “Há que se entender que as disputas pelos territórios têm lastro do ponto de vista do poder econômico ou das construções históricas em que os atores locais estão inseridos”, defendeu. Ele citou como exemplo o fato de assentamentos da reforma agrária localizados no município de Cristalina, no entorno do Distrito Federal, não possuírem acesso à água. “Por que os camponeses não têm água? E por que essa água, em alguma medida, está sendo usada ou para o modelo energético ou para o agronegócio? É o que precisamos discutir”, denunciou o professor. 

Conselho

O evento, intitulado “Água e agronegócio: para além dos mitos do consumo urbano”, foi organizado pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas das Dinâmicas Territoriais (Laboter) e mediado pelo professor do IESA Romualdo Pessoa. A ideia foi aproveitar a lembrança do Dia Mundial da Água (22/3) e promover uma reflexão junto aos discentes que neste semestre cursam a disciplina Geopolítica da Água.

Na oportunidade, Romualdo sugeriu que os pesquisadores se unissem para formular um documento público reivindicando a criação do Conselho Estadual de Gestão dos Recursos Hídricos. A informação da não existência dessa instância deliberativa, que poderia discutir e regular os usos da água em Goiás surgiu ao longo da conversa. Goiás e Acre são os únicos estados que não possuem tal Conselho.

 

Mesa Redonda Água e Agronegócio

João Ricardo Raiser, da Secima/GO, Marcelo Mendonça e Romualdo Pessoa, do IESA, e Gracielly Carneiro, egressa da UFG, participam de mesa redonda sobre água e agronegócio

Source: Ascom/UFG

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