Pode a universidade atuar de forma multiepistêmica?
Convidado pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, José Jorge de Carvalho falou sobre a experiência de promover encontros entre saberes
Texto: Patrícia da Veiga
Fotos: Adriana Silva
Episteme, palavra de origem grega, foi cunhada por filósofos da antiguidade para designar o “conhecimento verdadeiro”, que deveria ser separado da doxa – pura opinião. Desde a constituição da ciência moderna, o termo é usado, grosso modo, para designar o conjunto de valores, fundamentos e normas que definem o pensamento científico. Estudos da episteme consideram o conhecimento acumulado nas disciplinas acadêmicas e averiguam o que rege os modos de pensar e fazer dos cientistas em determinado contexto, bem como isso muda com o passar do tempo. Nesse processo, há quem enxergue uma relação intrínseca de poder que valida certa cultura e invalida outras tantas. Saberes construídos na vivência de comunidades tradicionais, por exemplo, são relegados. É por isso que se discute, atualmente, a existência de múltiplas epistemes.
Preocupados em trazer a experiência de raizeiros, caboclos, pajés, mães de santo, benzedeiras, artistas populares – entre tantos outros mestres de ofício – para a universidade, pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFG (PPGAS) convidaram José Jorge de Carvalho, músico, antropólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB), para falar sobre “o encontro de saberes e a antropologia acadêmica hegemônica”. Sua palestra foi realizada na noite desta quarta-feira (8/2), no miniauditório do prédio das Humanidades, no Câmpus Samambaia da UFG.
Na ocasião, o professor descreveu o projeto Encontro de Saberes nas Universidades Brasileiras, uma iniciativa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI), coordenado por ele e sediado na UnB. O projeto tem como objetivo experimentar formas de aprendizado que estejam ancoradas no acúmulo da tradição oral e não somente no saber ocidental institucionalizado. Assim, mestras e mestres de ofício são convidados a ministrar classes tanto na graduação como na pós-graduação, gerando outros diálogos sobre a vida. "Tem dado muito certo, os estudantes ficam muito instigados. Os mestres possuem uma linguagem e uma sensibilidade que dificilmente nossa educação formal acessa", comentou.
José Jorge de Carvalho contrapôs o conhecimento reproduzido nas instituições brasileiras à riqueza do saber transmitido por povos tradicionais
O professor citou vários exemplos de atividades bem sucedidas em Brasília (DF), Belém (PA), Juiz de Fora (MG), Viçosa (MG), Fortaleza (CE), onde se aproveitou a vivência de lideranças locais para falar sobre saúde, arquitetura, agricultura, artes, educação. E alertou para a necessidade de as universidades abrirem suas portas para essa demanda. “Como é possível ensinarmos somente conteúdos europeus e americanos? Há um incômodo generalizado em relação a isso. Estudantes indígenas, por exemplo, que estão tendo mais acesso à universidade, não se reconhecem nos textos que falam sobre eles. Isso deve ser revisto”, argumentou.
Para José Jorge, o Encontro de Saberes aconteceu para contribuir com o debate das ações afirmativas. “Não foi um movimento surgido a partir das teorias geradas nas Ciências Humanas e Sociais. Pelo contrário, partiu dos próprios mestres durante encontros realizados em 2005 e 2006 no âmbito da Rede das Culturas Populares. É como se fosse uma segunda leva de cotas, as cotas epistêmicas, que complementam as cotas étnico-raciais”, contextualizou. Em outros espaços, propostas semelhantes podem semear o respeito à diversidade cultural brasileira e estimular investigações que valorizem contextos locais.
A conversa se deu no âmbito do evento Diálogos Cerrados, realizado regularmente pelo PPGAS, com a finalidade de estimular estudantes a mediar debates com pesquisadores experientes. Nessa edição, Lucas Brito, orientado pelo professor Luis Felipe Kojima Hirano, foi o interlocutor. Na plateia, pesquisadores de diversas áreas participaram da conversa.
Evento reuniu pesquisadores vinculados aos cursos de Antropologia, Geografia, História, Museologia, Literatura e Educação Física
Professor Luis Felipe Kojima Hirano, coordenador do PPGAS, e o discente Lucas Brito mediaram a palestra
资源: Ascom UFG
类别: José Jorge de Carvalho Diálogos Cerrados antropologia social última hora
