Pronunciamento do reitor

Reitor se pronuncia sobre Escola Sem Partido

En 22/09/16 12:30 .

Confira o pronunciamento do reitor da UFG, Orlando Amaral, em audiência pública promovida pelo MPF

O reitor da UFG, Orlando Amaral, participou na última quarta-feira (21/9) de uma audiência pública realizada pelo Ministério Público Federal em Goiás (MPF/GO), por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), sobre doutrinação político-partidária no sistema de ensino. O evento foi aberto à participação da sociedade em geral e aconteceu no auditório da Procuradoria da República em Goiás.

Confira abaixo o pronunciamento do reitor Orlando Amaral durante a audiência pública: 

 

Audiência Pública no Ministério Público Federal (GO):

Escola sem doutrinação político-partidária

Goiânia, 21 de setembro de 2016

O debate sobre o tema da “Escola sem doutrinação político-partidária” ou “Escola sem partido”, insere-se no debate que se estabeleceu no país a partir do movimento “Escola sem partido” e do envio ao Congresso Nacional de projetos Lei que visam à inclusão dos princípios deste movimento à Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996.

A expressão Escola sem partido já suscita uma primeira dúvida quanto ao seu significado. O termo “partido” pode ser entendido como designando agremiações partidárias ou como tomada de posição em questões diversificados que envolvem economia, política, religião e outros. Como desconheço a existência no Brasil de escolas que tenham, como instituição, uma vinculação a um partido político, parece-me que a segunda interpretação seja a mais correta, isto é, uma “escola sem partido” designaria uma escola que não tomasse partido. A escola, no entanto, se constitui pela existência de pessoas: professores, diretores, alunos, servidores e pais de alunos. As pessoas que formam a escola, estes sim, como cidadãos, têm posições, posturas, opções e escolhas que, em geral, são diversificadas e representam um largo espectro cultural, ideológico, religioso, entre outros. A situação mais comum nas escolas parece-me ser a da escola onde convivem pessoas com diferentes pontos de vista e opções pessoais. Seria possível, portanto, caracterizar uma escola como sendo homogênea em seu pensamento e que tivesse um “partido”, no sentido amplo da palavra, isto é, que tivesse uma opção definida em relação a questões que naturalmente comportam diferentes visões e posições? Não me parece também que esta escola exista. O fato de que, eventualmente, em uma determinada escola haja uma certa posição política majoritária entre professores, por exemplo, não é o suficiente para caracterizar que a escola, como um todo, tenha aquela posição política. A escola é um espaço de diferenças, um espaço de livre debate e um espaço de livre manifestação de ideias.

Um debate que pode ser feito é se alguns professores que legitimamente expressam suas posições em sala de aula, o façam de forma autoritária, sectária e doutrinária, não permitindo que outras visões sejam conhecidas, debatidas e cotejadas entre si. O ideal seria que o professor, mesmo defendendo a sua visão de mundo, o fizesse de forma equilibrada e respeitosa em relação a diferentes visões. Não desconheço, no entanto, que alguns professores, dadas as suas posições arraigadas e/ou apaixonadas, não adotem esta postura em sala de aula. No entanto uma tal postura radical e sectária não escolhe lado, não sendo característica apenas de um determinado perfil de professor. Ela pode se manifestar em professores cujo posicionamento político pode estar mais à esquerda ou à direita, pode ser mais conservador ou progressista, ou cuja religião pode ser católica, evangélica ou espírita, entre outras possibilidades e polaridades. Situações que caracterizem uma nítida distorção na abordagem de determinado tema, com viés doutrinário e evangelizador, não deveriam ser problematizados no âmbito da própria escola?

Ao invés de propor um debate na escola sobre as situações que caracterizem excessos por parte de professores e as maneiras de como promover o contraditório e o livre debate para restabelecer alguma forma de equilíbrio, a proposta do Projeto de Lei que cria a Escola sem partido propõe algo, em meu entendimento, inaceitável e inaplicável que é silenciar, no professor, aquilo que ele tem de próprio, de autêntico, tornando-o “neutro”. Nós não somos neutros! Legitimamente temos posições e convicções e devemos expressá-las. Como fazer isto, sobretudo em uma sala de aula, e sobretudo em escolas do nível básico, sem inibir, induzir, ofender, constranger alunos é o desafio de todos nós que lutamos por uma educação de qualidade e pela democracia no país. O exercício da convivência salutar e democrática, com pessoas que pensam de maneira diversa à nossa, deve ser feito por cada um de nós, no ambiente familiar, no ambiente profissional escolar e não escolar e, na verdade, em qualquer situação. Poderíamos igualmente perguntar: a mídia no Brasil é neutra? Ela faz bem o exercício de equilibrar as diferentes visões ou privilegia umas em detrimento de outras? Será necessária uma Lei para regular os excessos da imprensa ou isto seria interpretado com uma afronta à liberdade de expressão, uma censura prévia? E ainda: os autores deste projeto de lei são neutros? Suas convicções políticas e ideológicas foram deixadas de lado ao elaborar o projeto? Não, o projeto é fruto de suas posições ideológicas, assim como todos os nossos atos.

Na hipótese da aprovação de uma lei com este conteúdo, quem na escola, em cada e toda escola, seria a pessoa, equilibrada e sábia, que iria dizer se um determinado professor, ao debater um tema, o tenha feito pendendo mais para um lado do que para outro? As aulas seriam filmadas para depois seriam analisadas por um Conselho formado por pessoas acima de qualquer suspeita para julgar o posicionamento do professor? Ensinar a Teoria da Evolução de Darwin seria uma afronta àqueles adeptos ao Criacionismo? O debate sobre programas de inclusão de negros, pobres e deficientes nas escolas poderia ser taxado de esquerdista? A discussão sobre identidade de gênero seria interditada nas escolas, como previsto no parágrafo único do Artigo 20 do Projeto da Escola sem partido? Como garantir, como previsto no inciso VII do Artigo 20 da proposta, “o direito dos pais a que seus filhos tenham direito a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções”? Quais convicções? Há um acordo entre os pais sobre estas convicções?

Não há como se negar o papel do professor no processo de formação intelectual das pessoas. Os alunos sofrem a influência de dezenas de professores ao longo de sua trajetória educacional em diferentes escolas. Esses professores, via de regra, pensam diferentemente sobre a maioria das questões controversas. É este somatório, juntamente com outras influências, que vai construindo as convicções e as identidades das pessoas. Em nenhuma análise se poderia deixar de ressaltar que essas convicções se formam também, e de maneira marcante e fundamental, no ambiente familiar. Como desconhecer a influência dos amigos e da internet na formação dos jovens hoje? Seria uma ilusão imaginar que os alunos são um livro em branco no qual os professores, e apenas os professores, irão escrever a história de suas convicções futuras. Quem frequenta uma escola de educação básica ou uma universidade nos dias de hoje, sabe muito bem o quanto os alunos se contrapõem aos professores em suas posições. Os alunos não são e nunca foram sujeitos passivos e meros receptores de informações.

A escola brasileira, da creche à universidade, ressente-se de vários problemas. Sobretudo na educação básica, cuja manutenção é preponderantemente obrigação de estados e municípios, existem inúmeros problemas que precisariam ser resolvidos para que os nossos alunos tenham uma educação de maior qualidade. A precária infraestrutura de um grande número de escolas e o baixo nível salarial dos professores são alguns destes problemas. Os indicadores da qualidade de formação de nossos estudantes, medido pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), divulgados recentemente, mostram, neste aspecto, o atraso do Brasil e o tamanho do nosso desafio. Na educação superior apenas 17% dos jovens brasileiros na faixa etária dos 18 aos 24 anos frequentam uma universidade, percentual esse que é muito distante daquele de países mais desenvolvidos e mesmo de nossos vizinhos na América Latina.

A união de todos brasileiros na busca de solução desses e de outros problemas na área da educação é que devia nos mover e não a continuidade de uma discussão sobre uma polarização, a meu ver artificial, entre uma suposta escola sem partido e uma suposta escola com partido. Em conclusão, a discussão sobre a Educação no Brasil é suficientemente complexa e não deve, para o bem da educação e para o bem do Brasil, ser simplificada e reduzida aos termos de uma Lei que limite, restrinja e censure, a priori, a atividade de professores em sala de aula.

Clique aqui e faça download do documento. 

Fuente: Ascom / UFG

Categorías: Última hora Reitoria Escola Sem Partido