Oferta de disciplina de sexualidade humana nos cursos de saúde em debate
Coletivo na UFG ressalta importância de se formar profissionais capacitados para lidar com a diversidade e da continuidade do Projeto Transexualismo do HC
Texto: Angélica Queiroz
Fotos: Carlos Siqueira
O Coletivo de Mulheres e Homens Transexuais, Pessoas Travestis e Transgêneras, Familiares e Apoiadores da Causa Trans na UFG colocou em debate na Universidade a possibilidade de implementação de uma disciplina de sexualidade humana e suas temáticas nos currículos dos cursos de graduação da UFG, especialmente na área de saúde e afins. O objetivo com esta disciplina ou a abordagem curricular de suas temáticas de modo transversal é formar profissionais capacitados nos diversos aspectos e dimensões da sexualidade humana para atender a toda a sociedade que necessite de atendimento de saúde.
Além disso, o grupo busca informar e esclarecer a respeito da importância social, acadêmica e de pesquisa do Projeto Transexualismo (TX), do Hospital das Clínicas (HC) da UFG que, para a integrante do Coletivo e paciente do Projeto TX, Ester Sales Matos “tem sido um ótimo exemplo de como se trabalhar diretamente no sistema de saúde, com profissionais capacitados, algumas das questões mais complexas da sexualidade humana, como a transexualidade de mulheres e homens”.
Em reunião realizada na tarde da última segunda-feira (31/8), o Coletivo pediu o apoio do Programa interdisciplinar Pró-Saúde, que envolve os cursos de Farmácia, Enfermagem, Biomedicina, Educação Física, Nutrição, Odontologia e Medicina. Ester Sales explicou que a população transexual é, em geral, muito mal atendida no sistema de saúde porque os profissionais não são capacitados para lidar com a diversidade. “Na UFG não há disciplina de sexualidade humana, como já ocorre em outras universidades. Precisamos pensar em uma forma de formar profissionais mais preparados”, afirmou.
Durante a conversa, a coordenadora do Pró-Saúde e professora da Faculdade de Farmárcia da UFG, Mércia Pandolfo Provin, pontuou possíveis caminhos para inserir essas discussões nos projetos pedagógicos dos cursos, como o diálogo com os núcleos docentes estruturantes e a inserção da temática em editais de projetos, como o PET Saúde. A professora lembrou da dificuldade de se trazer os professores para esse debate. “Não basta criar a disciplina, é preciso provocar a discussão”, recomendou.
Na semana passada, o grupo também se encontrou com o reitor e pró-reitores da UFG, direção do HC, superintendência da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), coordenações e direções dos cursos de saúde e Psicologia, coordenação do Projeto TX, Secretaria Estadual de Saúde, Liga de Sexualidade da Faculdade de Medicina, representantes da Pontifícia Universidade Católica de Goiás e Coordenadoria de Ações Afirmativas (Caaf), para tratar do assunto.

Integrantes do Coletivo, da Liga de Sexualidade e do Pró-Saúde discutem estratégias para inserir a discussão nos currículos da UFG
Projeto TX está parado há 2,5 anos
Fundado há 16 anos, o Projeto TX do HC já realizou cerca de 70 cirurgias genitais. Desde sua criação foram feitas novas regulamentações pelo Conselho Federal de Medicina, reestruturando o atendimento dos Projetos TX do Brasil, conforme a experiência do desenvolvimento dos trabalhos. Ao longo deste processo, o projeto da UFG, um dos quatro do país, se tornou referência nacional e internacional na área.
No entanto, por falta de profissionais, a fila de espera, que conta com mais de 200 pacientes, está parada há dois anos e meio. Além disso, aproximadamente 45 mulheres transexuais aguardam por cirurgia. Segundo Ester Sales, o Projeto TX recebe elogios de fora, mas é desvalorizado pela comunidade médica e acadêmica local. “Muita coisa está sendo desenvolvida aqui e não é publicada. Muita gente nem sabe sobre o projeto e falta ainda interesse dos profissionais”, detalha.
O projeto tem duas dimensões: ambulatorial, na qual o paciente recebe atendimentos básicos de saúde e acompanhamento, e o atendimento hospitalar pré, durante e pós-operatório, quando são realizadas diversas cirurgias de correções plásticas para adequação do fenótipo de nascimento físico ao gênero de identificação da pessoa transexual. “Isto é significativo pois reconhece as pessoas transexuais como seres humanos com identidade sexual própria, como toda mulher e homem, e a necessidade de tratamento das circunstâncias físicas as quais esta pessoa é submetida durante sua vida”, explica Ester Sales.
Para a entrada de novos pacientes, antes do fechamento do projeto, as pessoas interessadas faziam solicitação no posto de atendimento de saúde do bairro e lá recebiam o encaminhamento para o Hospital das Clínicas. Depois, para ser submetido à cirurgia, o paciente deve realizar, no mínimo, dois anos de acompanhamento psicológico e hormonal pelo projeto, além de se vestir e ter vivência social conforme sua identificação sexual. No entanto, segundo Ester Sales, como há poucos profissionais envolvidos, a demora por uma cirurgia tende a extrapolar os quatro a cinco anos.
Retomada do atendimento
A integrante do Coletivo, Ester Sales, afirma que o grupo já está viabilizando, em parceria com a gestora do Projeto e as Secretarias Estadual e Municipal de Saúde, a retomada do atendimento de modo parcial para novos pacientes e, com a contratação de um novo cirurgião, também há a expectativa de retomar nos próximos meses as cirurgias de redesignação genital que se encontram paralisadas desde março.
Coordenadora da Caaf, Luciene Dias, afirma que a Coordenadoria, o HC, a Faculdade de Medicina e os cursos ligados à saúde não medirão esforços para conduzir à continuidade do projeto, tanto no que se refere à continuidade dos atendimentos, quando na elaboração de matrizes curriculares que garantam a formação de profissionais qualificados.
“O projeto Transexualizador do Hospital da Clínicas tem conseguido, ao longo dos anos, atender positivamente às demandas de uma parcela da sociedade que sempre teve respostas negativas para suas construções identitárias. Trata-se de um processo de conquista de cidadania, qualidade de vida e aprendizagens múltiplas no sentido de construirmos o respeito às especificidades humanas”, afirma. Para Luciene Dias, o debate assume fundamental importância nesse processo. “A atual conjuntura sinaliza para a necessidade de reorientar ações que fortaleçam o projeto TX e, para isso, estou segura de que estamos dialogando com as pessoas certas,” completa.
Fonte: Ascom UFG
Categorias: Diversidade Projeto TX Última hora
