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Hugues de Varine lança livro sobre patrimônio e desenvolvimento local

Em 03/12/12 00:39.
Consultor internacional na área de Museologia expõe o potencial transformador dos museus com base na ação comunitária e um olhar diferenciado sobre o patrimônio material e imaterial

Michele Martins

Fotos: Carlos Siqueira

Museólogos de todo o mundo há muito tempo tentam aproximar cada vez mais a comunidade e os museus. Para discutir esse e outros assuntos foi promovida a Mesa-redonda de Santiago do Chile, em 1972. Esse evento, que repercute ainda hoje, impulsionou grandes transformações no campo da museologia e redefiniu o papel dos museus. A partir daquele momento, os museus passaram a ser entendidos como instituições que devem estar mais integradas à vida das pessoas, de forma a desempenhar um papel decisivo na educação da comunidade. Um dos responsáveis pela realização dessa mesa-redonda foi o consultor internacional Hugues de Varine.

Convidado pela direção do Museu Antropológico e pela coordenação do curso de Museologia, ele esteve na Faculdade de Ciências Sociais, na noite de 28 de novembro, para lançar seu livro Raízes do futuro, o patrimônio a serviço do desenvolvimento local, e ministrar uma palestra sobre o tema Museus e futuros possíveis, que foi acompanhada por professores e estudantes.

Com uma visão crítica da Museologia, Hugues de Varine destacou as principais mudanças dos últimos 40 anos e esboçou     cenários futuros para a área

 

Respaldado por uma longa experiência na gestão do Conselho Internacional de Museus (ICOM), Hugues de Varine é considerado uma das uma das principais referências internacionais em atividade na área da Museologia atualmente. Em especial por ter estado à frente do movimento de construção dos Ecomuseus e dos Museus Comunitários, que caracterizaram a chamada Nova Museologia.

Para o escritor, os museus são instituições criadoras de pesquisas e locais de exposições, mas também promotores de novos métodos educacionais. “No entanto, muitos museus do mundo ainda praticam o mesmo tipo de exposições pedagógicas centradas na supervalorização de suas coleções. Mas, quando adotam objetivos comunitários e práticas participativas, os museus tornam-se instituições criadoras de soluções para a vida cotidiana. Assemelham-se a centros culturais e utilizam o patrimônio como matéria-prima para o desenvolvimento socioeconômico, porque são capazes de juntar pessoas de todas as classes sociais e de diferentes pontos de vista”, defendeu Hugues de Varine.

Confira abaixo uma breve entrevista com o escritor.


Como surgiu seu interesse pela Nova Museologia?

Por dez anos integrei a direção Conselho Internacional de Museus (ICOM), entre 1964 e 1974, viajei por todo o mundo sempre visitando os museus e conversando com quem trabalha nessas instituições sobre as questões do patrimônio e o desenvolvimento local, principalmente em países da África e da América Latina. Minha aproximação com o tema do patrimônio deu-se por razões pessoais quando me envolvi com o voluntariado na minha região de origem na França. Nos anos de 1980, como havia um movimento chamado de Nova Museologia, antigos amigos me contactaram por causa dessa minha experiência voluntária voltada para o desenvolvimento local. O objetivo era o de aproximar a experiência dos Ecomuseus à prática dos Museus Comunitários para o desenvolvimento dos pequenos territórios .

Com base em sua experiência como consultor internacional em museologia e desenvolvimento, é possível destacar uma problemática comum à criação e à administração dos Ecomuseus e dos Museus Comunitários?

Trata-se de um movimento que ocorre em escala mundial, desde o Canadá, o México, o Brasil, países da Europa, no Japão, entre outros. É um fenômeno que compreende uma necessidade ligada, na minha opinião, à globalização. Com as crescentes mudanças dentro desse contexto, as comunidades precisam alcançar a liberdade para gerir seus pequenos territórios, longe da opressão imposta pela globalização. É preciso despertar a criatividade das pequenas comunidades para promover o desenvolvimento local.


De que forma a inovação deve ser considerada pela museologia?

A inovação existe em todos os domínios e é uma maneira de inventar soluções. A inovação é necessária porque não podemos manter sempre os museus como se fossem lugares de coisas mortas. Eu não sou contra os museus tradicionais, mas há uma grande necessidade de trabalharmos com o patrimônio vivo, que não é registrado como uma coleção de museu. Nesse sentido, a Mesa-redonda de Santiago do Chile, de 1972, tornou-se uma data de referência, marcou uma revolução para os museólogos que descobriram que não sabiam nada sobre as cidades. Então, a nova museologia surgiu como concorrente dos museus tradicionais, que trabalham somente com uma parte sensacional, selecionada do patrimônio, o que não é suficiente para alcançar a totalidade do patrimônio. A Nova Museologia aponta caminhos para encontrarmos soluções inovadoras, na medida em que considera que a preservação do patrimônio está ligada à nossa herança e ao nosso presente.


Como o senhor avalia as atividades dos museus no Brasil?

Nos anos 1990 trabalhei no Brasil duas vezes por ano. Considero que no Brasil é onde mais ocorre mais inovações na área da Nova Museologia. Há uma grande diversidade de novas criações. Destacam-se não só o número de novas propostas, mas também a qualidade das ações inovadoras. Aqui há realmente uma capacidade de adaptação das situações locais e de invenção de soluções inovadoras que não têm modelos, não têm definições ou teorias precedentes, e mesmo assim são desenvolvidas práticas ligadas às necessidades locais. Não porque é assim. Talvez haja várias razões para isso. Na minha opinião, há um maior dinamismo comunitário e essa dinâmica faz com que surjam iniciativas concretas. Também podemos considerar a libertação que houve com o fim da ditadura, assim como ocorreu em Portugal com o final da ditadura de Salazar, em 1974, quando ocorre uma explosão museológica, mas também uma libertação das iniciativas locais.


Porque o senhor escolheu o título Raízes do futuro para um livro sobre patrimônio e desenvolvimento local?

Tive essa ideia depois de uma viagem que fiz com amigos brasileiros na Itália no ano passado. Na ocasião visitamos um museu de bonsais, que são aquelas árvores cultivadas em miniatura. Pensando nessas pequenas árvores, achei um escândalo que suas raízes sejam cortadas para impedir o crescimento da planta. Para mim, temos de cultivar a ideia de raízes que equivalem aos nossos patrimônios, para facilitar o desenvolvimento da sociedade. O patrimônio não é uma coisa que tem de ser defendida como na definição proposta pela Unesco, porque acaba tendo como finalidade atender a objetivos turísticos. Considero o patrimônio como uma coisa viva e é junto dele que a comunidade pode inventar soluções. Uma das preocupações que temos é o surgimento de uma forte cultura do consumo, principalmente entre os jovens, em escala mundial. Essa cultura do consumo acaba criando a ideia de negação do passado. Por isso considero um problema, porque estou convencido que se há uma ruptura na continuidade, se o passado pode ser encarado somente pela vitrine dos museus, então ninguém vai até ele. Há um forte hábito dos jovens de visitarem os museus somente em grupos escolares, de vez em quando, e depois ninguém volta. Então, essa é uma razão para fazermos coisas fora dos museus tradicionais.

Fonte: Ascom/UFG

Categorias: Cultura

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