Comunidade universitária sabatina diretores da EBSERH
Patrícia da Veiga
Fotos: Carlos Siqueira
Uma verdadeira “batalha de ideias” foi travada entre a comunidade universitária e a diretoria da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), durante reunião realizada na manhã da última quinta-feira, 18/10, no auditório da Faculdade de Medicina da UFG. O encontro foi agendado para que o presidente da EBSERH, José Rubens Rebelatto, e a diretora de Gestão de Pessoas, Jeanne Liliane Marlene Michel, prestassem esclarecimentos sobre o funcionamento da empresa e suas formas de contratação. No entanto, as pessoas que lotaram o auditório quiseram discutir o que a EBSERH representa, de fato, para a saúde e para a educação do país. Muitos, aliás, estavam convictos de seus posicionamentos e usaram o espaço para protestar. Os estudantes de Medicina, por exemplo, estenderam faixas com os dizeres “Não à mercantilização da saúde, não à EBSERH”.
Auditório lotado e faixas de manifestação contrárias à EBSERH compuseram o cenário da reunião realizada na quinta-feira, 18/10
Criada em dezembro de 2011, mediante a aprovação da Lei n° 12.550, a EBSERH recebeu do Ministério da Educação (MEC), órgão ao qual é vinculada, a incumbência de administrar os recursos humanos e materiais dos Hospitais Universitários (HUs) brasileiros. De acordo com o presidente da EBSERH, a partir disso, a empresa assumiu como seu objetivo o que já havia sido estabelecido por esta lei, ou seja, manter a prestação gratuita de serviços médico-hospitalares, ambulatoriais, diagnósticos e terapêuticos, bem como garantir acesso universal e de qualidade ao ensino profissional nas unidades de saúde vinculadas às universidades. “Nossa meta é realizar uma restruturação física e tecnológica nos HUs”, completou Rebelatto.
A EBSERH tem, conforme o texto da Lei n° 12.550, “personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio”. Isso quer dizer que a empresa é pública, recebe recursos públicos, mas movimentará suas finanças e estabelecerá suas normas conforme a ótica da iniciativa privada. “A EBSERH sujeitar-se-á ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários”, anuncia o artigo 5° do estatuto da empresa, publicado em 29 de dezembro de 2011.
Para a diretora de Gestão de Pessoas da empresa, Jeanne Michel, com essa característica regimental, a contratação de pessoal será equiparada ao mercado no que diz respeito ao valor dos salários, à jornada de trabalho e às formas de contratação, aspectos jurídicos também contemplados pela Lei nº 12.550. “Adotaremos, assim, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)”, complementou. O Regime Jurídico Único (RJU), que organiza os planos de carreira do serviço público federal, conforme a Lei n° 8.112/90, é considerado pela diretoria da EBSERH como moroso e pouco condizente com as necessidades de um hospital, visto pela diretoria como uma empresa. “O RJU é irreal. Atualmente, se uma pessoa se aposenta em um HU, sua vaga volta pro MEC e só é reposta mediante concurso público. É um processo longo. Se uma pessoa tira licença, a administração não pode contratar outra em seu lugar. Além disso, os salários são todos equiparados e isso não condiz com o mercado”, argumentou Jeanne.
Em destaque: José Rubens Rebelatto, presidente da EBSERH, e Jeanne Liliane Marlene Michel, diretora de Gestão de Pessoas da empresa
Esses são os dois pontos principais de divergência entre quem defende e quem repudia a EBSERH: o fato de uma empresa administrar a saúde e a educação pública e a escolha que essa empresa faz por uma ordem trabalhista vinculada à visão de mercado da iniciativa privada, orientada para o lucro e não para o bem-estar comum, o que revela uma mentalidade política de cunho liberal. “Então os funcionários resolvem fazer greve e como a população fica?”, questionou Jeanne Michel, defendendo justamente esse pensamento político-administrativo.
Na sabatina da quinta-feira, boa parte das mais de 20 intervenções feitas pela plateia demonstrava preocupação quanto à possibilidade de privatização dos HUs, ainda que nos documentos da EBSERH esteja escrito que as bases de atuação da empresa respeitarão os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). A visão de mundo que pareceu ser oposta à liberal, no debate, teria inclinação social-democrata, reivindicando para o Estado (supostamente) de Bem-Estar Social a responsabilidade pela assistência prestada à população.
Trabalhadores, professores e estudantes demonstram preocupação com a realidade apresentada pela EBSERH
“Ideologia” – O deputado estadual Mauro Rubem (PT-GO), quando tomou a palavra e se posicionou “inteiramente contra” a EBSERH, foi aplaudido pela plateia. Ele usou as Organizações Sociais (OS) contratadas pelo governo do estado de Goiás para administrar os hospitais estaduais como exemplo do que pode ser o futuro dos HUs. “Os efetivos ganham mais do que os trabalhadores contratados pela OS e por isso eles são ameaçados, perseguidos e induzidos a abandonar seus empregos. Afinal, se a administração age como iniciativa privada, não vai querer pagar mais aos seus funcionários. O que garante que isso não acontecerá com a EBSERH?”, discursou.
Eulange Sousa, coordenadora do Programa de Residência Multiprofissional do Hospital das Clínicas (HC), ao expor sua opinião, também demonstrou preocupação com a existência de uma “lógica de mercado” vinculada aos HUs, argumentando que é justamente essa “visão de mercado” que sufoca o trabalhador. “Essa escolha tem um efeito multiplicador no serviço público, do qual talvez ainda não tenhamos dimensão, pois o mercado passa a ser o regulador das nossas relações”.
Eulange Sousa (em pé, à frente), coordenadora de Residência no HC, questiona a "lógica de mercado" incorporada pela EBSERH
Em resposta, Rebelatto rotulou essas manifestações como “ideológicas” e disse que a transformação será puramente “operacional”. “As escolhas do MEC também são todas '100% SUS', o diferencial da EBSERH é que estamos preocupados com a eficiência do sistema”, afirmou.
Também foram lançadas pela plateia questões sobre o controle social do HC, a autonomia das universidades diante da EBSERH, o atendimento dado a pacientes com plano de saúde e o risco de diferenciação em relação aos usuários do SUS (a chamada “dupla porta”), os processos de formação diante da exigência de uma “eficiência” mercadológica, entre outras. Houve ainda dúvidas, proferidas por quem trabalha no HC, a respeito da regularização de trabalhadores cedidos pelo estado e pelo município, do modelo de concursos realizados para contratar profissionais celetistas, da dupla jornada de trabalho, entre outros questionamentos.
Ao final do evento, o reitor da UFG, Edward Madureira Brasil, disse estar “satisfeito” com o resultado da primeira reunião pública sobre a EBSERH feita na universidade. “Esse debate não poderia começar de outra forma: com o auditório cheio, as pessoas ouvindo, conhecendo e discutindo. Poderíamos, às vezes, separar mais a paixão da razão e até nos despir de alguns conceitos já impregnados. No entanto, é preciso ter em mente que o objetivo é buscar o melhor para a UFG e para o HC”, arrematou. O debate durou mais de quatro horas e foi encerrado com a garantia de que haverá outros momentos de discussão e reflexão sobre o tema. A decisão a respeito da adesão do HC à EBSERH será tomada pelo Conselho Universitário (Consuni). Até o momento, 26 HUs vinculados a 16 instituições, tais como as Federais do Rio de Janeiro (UFRJ), do Maranhão (UFMA) e de Minas Gerais (UFMG), aceitaram a proposta do governo.
Para o reitor da UFG, Edward Madureira Brasil, o debate foi "satisfatório". Novas reuniões como essa devem ser realizadas em breve
资源: Ascom/UFG
类别: Embate
