O legado do professor Ricardo Bufáiçal

O reitor da Universidade Federal de Goiás, professor Edward Madureira Brasil, prestou homenagem ao ex-reitor Ricardo Freua Bufáiçal, que morreu no último dia 9 de abril, aos 62 anos, vítima de enfarte fulminante. A homenagem ocorreu na missa de sétimo dia, realizada no dia 15, na Catedral Metropolitana de Goiânia.

Abaixo, leia o pronunciamento do reitor.

O LEGADO DE RICARDO BUFAIÇAL

No último dia 9 de abril, a UFG se quedou perplexa por um acontecimento no mínimo inesperado: o falecimento de um dos maiores líderes de sua história, Ricardo Freua Bufáiçal. Os que o conheciam mais de perto poderiam ser levados a pensar que não passava de mais uma de suas travessuras, pois, entre os mais íntimos, raros são aqueles que não foram vítimas de peças pregadas pelo professor Ricardo. Para desespero de seus admiradores, não se tratava de brincadeira, e a nossa querida UFG estava realmente menor, pois fora privada de um grande guerreiro. O único consolo para nós, que ficamos, é a certeza de que o nosso sempre reitor foi chamado para uma nova missão, desta vez em um plano superior.

É impossível falar de Ricardo Bufáiçal sem ressaltar suas qualidades que, por certo, dificilmente se encontram reunidas na grande maioria dos seres humanos. Na vastidão de seu legado destacam-se a sua inteligência, o seu caráter singular e a sua liderança agregadora, sábia, inconteste. Sabia como poucos se posicionar, de maneira elegante, articulada, respeitosa e, acima de tudo, ética. Por falar em ética, nele sempre tivemos o que de mais profundo esta qualidade pode expressar. Seja como filho, irmão, pai, esposo, amigo, professor, reitor, líder.

Por agir com coerência absoluta em tudo, não compactuava com favorecimentos ou com perseguições de nenhuma ordem. Por inúmeras vezes prejudicou seus próprios interesses ou daqueles que o cercavam, por culto aos princípios enraizados na base de sua formação, que transformava em ações a serem efetivadas para todos. Ricardo Bufáiçal pode também ser traduzido por seu comprometimento e envolvimento nas discussões de temas de interesse social. Não raras vezes se embrenhou em lutas por causas diversas, fosse no âmbito da universidade em seus diferentes campos de atuação (sindicato, reitoria, Andifes), fosse no âmbito da sociedade, como recentemente, dedicando-se de forma intensa às causas ambientais.

Materializo seu comprometimento com um exemplo que me é particularmente caro. Durante a campanha para reitor, no ano de 2005, da qual saímos vitoriosos, pude constatar o seu empenho e dedicação em todos os momentos daquele pleito, tanto nas definições estratégicas quanto no dia a dia da campanha, falando, incansavelmente, em defesa de nossa chapa. Dedicação era, certamente, uma de suas principais marcas. Trabalhador incansável, capaz de comprometer sua saúde, como certamente o fez quando reitor e em muitas ocasiões, em nome daquilo que acreditava.

Ganhou notoriedade na UFG pela sua competência quando participou do reitorado do professor Joel Ulhôa, à frente do Escritório Técnico-Administrativo, nosso antigo ETA. Geriu recursos da ordem de 10 milhões de dólares, e foi o responsável pelo maior ciclo de crescimento físico já visto na UFG. Seu cuidado com o patrimônio público lhe rendeu, certamente, inimizades; seu rigor com tudo o que se dispunha a fazer foi questionado por alguns que não enxergavam (ou não queriam enxergar) esta sua qualidade. Em função desta e de outras virtudes, seu exemplo de gestor foi e é seguido por toda uma geração, seja de correligionários, seja de opositores.

Como reitor, dinamizou a pós-graduação, criando o primeiro curso de doutorado do Centro-Oeste, do qual tive o privilégio de fazer parte da primeira turma. Fortaleceu os campi do interior, criou o Programa de Iniciação Científica, dentre tantas outras realizações, deixando como marca a descentralização administrativa, atribuindo mais autonomia às unidades acadêmicas, órgãos e pró-reitorias.

Dono de inteligência privilegiada, dosada com simplicidade e humildade, soube como ninguém conduzir de forma democrática os conselhos superiores da UFG, respeitando e implementando todas as decisões deles emanadas. Com todas essas virtudes, havia ainda lugar para outras, que o marcavam e o diferenciavam. Uma delas era a discrição. Ricardo Bufáiçal se empenhava, se dedicava, se fazia presente em todos os momentos, sem nunca fazer questão de chamar para si a atenção pelas suas realizações.

Outra dessas virtudes, era o bom humor. Ricardo era capaz de virar a noite discutindo e defendendo seu ponto de vista, divergindo do interlocutor e contra-argumentando à exaustão, sem nunca perder a compostura e o respeito, e mesmo sem vencer e ser vencido, mantendo o sorriso no rosto e o jeito brincalhão no dia seguinte. Também por isso estamos homenageando um homem acima de tudo nobre e de caráter e de atitude.

Para encerrar, quero ressaltar a sua característica, dentre tantas outras, que por certo seria impossível enumerar, que a mim, particularmente mais tocou, o seu amor pela UFG. Defendeu ardentemente esta instituição durante toda a sua vida, elevou o nome da universidade por onde passou, cuidou como se cuida das coisas mais preciosas do mundo. Por isso, devemos reverência a esse nobre guerreiro.

Finalmente, cito um texto de Fernando Pessoa:

“Conheci o bem e o mal, o pecado e a virtude, o certo e o errado. Julguei e fui julgado. Passe pelo nascimento e pela morte, pela alegria e pelo sofrimento, pelo céu e pelo inferno. E no final eu reconheci que estou em tudo e que tudo vive em mim. Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo. Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha”.

Que a chama deixada por Ricardo Bufáiçal ilumine para sempre sua família e sua UFG.

EDWARD MADUREIRA BRASIL
REITOR DA UFG
EM 15 DE ABRIL DE 2008