Fórum de inclusão e ações afirmativas é lançado pela UFG
Objetivo é a sistematização de proposta de equidade na Universidade
Texto: Carolina Melo
Fotos: Carlos Siqueira
O I Fórum de Inclusão, Ações Afirmativas e Acessibilidade, organizado pela Secretaria de Inclusão (SIN) da UFG, teve início nesta quinta-feira (09/11) e trouxe como desafio a construção de um espaço de debates na Universidade para a proposição de políticas e programas de ações afirmativas. A ideia é a de que ao longo de dois dias de discussão as propostas sejam sistematizadas. A mesa de abertura contou com a presença ilustre da professora Matilde Ribeiro, ex-ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial durante o governo Lula (2003-2008), e uma das responsáveis pela implementação da Lei de Cotas raciais no Brasil. E com a presença da atual diretora da Fundação de Apoio à Pesquisa (Funape) e a principal articuladora do programa UFGInclui na Universidade Federal de Goiás (UFG), Sandramara Matias Chaves. Ambas participaram do histórico constitutivo das ações afirmativas na Universidade. A reitora Angelita Pereira de Lima também esteve presente na abertura do evento.
O passado e as pessoas envolvidas nas lutas passadas e que garantiram as conquistas atuais, e possibilitam novos avanços, devem ser lembradas, acredita a secretária de Inclusão, Luciana Dias, que apresentou a identidade visual do Fórum. “A sankofa é um ideograma africano que inspira a gente a pensar em questões de volta, de consideração do que veio antes, de um passado, de uma ancestralidade, de inúmeras lutas travadas antes de chegarmos aqui”, disse. O ideograma representa um pássaro com a cabeça voltada para trás, e sua forma espelhada lembra um coração. “Já as sempre-viva são flores que fazem jus aos nomes. Mesmo depois de arrancadas, em terrenos hostis à sua existência, como em prateleiras de uma casa de elite, elas resistem, florescem”, explicou Luciana Dias, que ainda afirmou que a constituição do Fórum estava no planejamento estratégico da SIN.
A reitora Angelita Pereira de Lima afirmou sobre o prazer de participar da abertura do Fórum, que, segundo ela, carrega o nome e a estrutura da Secretaria de Inclusão da UFG, e também “uma articulação que existe em todo o País”. “A UFG dá o passo para liderar a realização e organização do Fórum de Inclusão na região centro-oeste e parabenizo pela iniciativa, pela visão estratégica e pela coragem que é necessário ter para dar o passo seguinte, que muitas vezes incomoda ou desacomoda. A UFG está muito orgulhosa”, disse. Segundo a reitoria, a constituição do Fórum ocorre em um momento profícuo, uma vez que a Universidade está numa ampla discussão estruturante para rever seus regimentos internos. “O Fórum nos baliza e oferece condições para aprimorar nossas diretrizes”.
Luta ancestral
Ao fazer a conexão entre passado, presente e futuro, a professora Matilde iniciou sua fala com a leitura de uma poesia de sua autoria “Mandelar”, inspirada no ativista Nelson Mandela. “Vamos mandelar os dias”, convidou. E, na sequência, a professora resgatou o princípio das discussões sobre as políticas de ações afirmativas. “Sua gênese certamente não se deu nos auditórios das Universidades do Brasil, mas na luta histórica por igualdade, justiça e democracia”. “Tive a oportunidade de ouvir do multimídia, estudioso, parlamentar, artista Abdias Nascimento [1914-2011] que ‘desde o momento que homens e mulheres foram capturados de seus países e chegaram aqui desumanizados e escravizados, existe luta por liberdade’. Estamos tocando em frente essas inspirações de Mandela, Abdias, Zumbi. Não estamos inventando a roda. Estamos transformando ideias em ações, nos espelhando no que já ocorreu”, disse.
Em relação às políticas públicas de equidade no Brasil, a professora Matilde Ribeiro destacou dois momentos que, segundo ela, “contribuíram para o carro andar”: a primeira Marcha Zumbi contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida, realizada no dia 20 de novembro de 1995, que reuniu 30 mil pessoas em Brasília. “Ali estava presente a demanda por políticas afirmativas e o compromisso de atuar junto com ações estatais. Foi um marco”; e, por sua vez, a III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada em setembro de 2021, em Durban, na África do Sul, e contou com mais de 16 mil pessoas de 173 países. “Ela ocorreu sete anos após o fim do apartheid, para dizer que a socieade estava em alerta a tudo o que ocorria, e os países foram convidados a pensar em programas e ações afirmativas”.
Mesmo reivindicando o protagonismo negro, Matilde Ribeiro destacou que as discussões sobre as políticas públicas são processos amplos que envolvem toda a sociedade. No caso brasileiro, segundo ela, há uma peculiaridade observada de forma crítica pelo estudioso africano Kabengele Manunga, há anos radicado no Brasil, e que precisa ser enfrentada: há racismo, mas não existem racistas, sendo o racismo brasileiro um crime perfeito. “Se alguém pergunta, ninguém é racista. A quem vamos recorrer no debate? O ato sem sujeito torna a ação paralisada. Mas as coisas podem deixar de ser assim”, disse.
No trajeto de duas décadas desde a aprovação da Lei de Cotas no Brasil, apesar dos “muito aprendizados”, não foi possível “derrotar a parte contrária” à legislação, observa a professora Matilde Ribeiro. “A história não é linear, mas tem seu fio condutor. A parte contrária às ações afirmativas no Brasil continua ativa. Hoje temos 69 universidades federais e todas executam programas de ações afirmativas, em diferentes formatos, que é uma coisa que merece ser pensada e discutida. Mas a luta continua e acabamos de conquistar uma vitória”. Esse ano foi aprovado na Câmara e no Senado o projeto que reformula e amplia o sistema de cotas no ensino federal.
Histórico da UFG
A diretora da Funape, Sandramara Matias, fez o resgate histórico da trajetória da UFG em relação às ações afirmativas e, em especial, ao programa UFGInclui. “Para muitos pode ser repetitivo, mas é sempre bom lembrar”, disse, ao destacar a participação de grupos de pesquisa e coletivos na luta pela aprovação das ações afirmativas na Universidade. De acordo com ela, durante as discussões iniciais de formulação de um programa na UFG, inicialmente foi pensado na oferta de bônus aos alunos de escolas públicas. “Naquele momento acreditávamos que esse seria o caminho. Mas o embate foi grande e, especialmente, o movimento negro estudantil foi importante para a mudança do programa”.
Entre datas importantes desde a criação do UFGInclui na UFG, Sandramara resgatou os seminários de avaliação em 2011 e 2015; a criação da Coordenação de Ações Afirmativas (CAF) em 2014, que, posteriormente, se consolidou na Secretaria de Inclusão (SIN) da UFG em 2022, onde sempre estiveram presentes as discussões sobre a permanência dos estudantes no espaço acadêmico. “No bojo desses processos, tivemos também a criação de cursos especiais, que possibilitaram o ingresso de camadas da sociedade que se viam fora da possibilidade de fazer um curso superior, entre eles, o curso de graduação em Educação Intercultural e a graduação em Direito para beneficiários da Reforma Agrária e pequenos agricultores, ambos criados em 2006”. A professora também fez o registro da criação em 2008 do Núcleo de Acessibilidade, que visa garantir o acesso aos estudantes com deficiência física, visual, auditiva e intelectual. “A universidade foi arrojada”, afirmou.
Fonte: Secom-UFG
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