
UFG cria comissão para coibir fraudes no sistema de cotas
Candidatos que se declaram negros deverão submeter a autodeclaração a uma banca de verificação na matrícula
Texto: Mariza Fernandes
Fotos: Ascom/UFG
No ano em que completa 10 anos da aprovação de seu programa de cotas, o UFGInclui, a UFG toma uma importante iniciativa para coibir as fraudes no sistema. A partir de 2018, a instituição vai adotar o procedimento de verificação da autodeclaração na matrícula. O trabalho será realizado pela Comissão de Verificação da Autodeclaração, que desde 2016 atuava principalmente na apuração de denúncias. “A novidade é que nós não vamos ficar aguardando para fazer a verificação quando vier uma denúncia. Nós vamos verificar antes de o candidato entrar na universidade”, explicou Pedro Cruz, presidente da Comissão.
Pedro chamou a atenção para o fato de que o objetivo do procedimento é garantir que as cotas sejam utilizadas por quem realmente tem direito a elas. “As vagas reservadas são ofertadas em várias modalidades. Tem a modalidade em que o aluno vai concorrer pela renda, por escola pública etc... e tem as vagas destinadas a pretos, pardos e indígenas. E é isso que a universidade, em síntese, está querendo garantir”, destacou.
Autodeclaração será confrontada com as características do declarante
Ao se candidatar a uma vaga pelo sistema de cotas étnico raciais na UFG, o estudante se autodeclara negro ou indígena. Para se matricular, ele deve assinar um documento de autodeclaração, conforme consta no edital de matrícula SiSU/UFG 2018 e no edital do Programa UFGInclui. Em seguida, a autodeclaração é submetida a uma análise em que são verificadas as características fenotípicas do declarante, ou seja, a sua aparência. Por isso, a matrícula só pode ser feita presencialmente e não por procuração.
O procedimento de verificação da autodeclaração segue as orientações repassadas pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) durante capacitação realizada em novembro de 2017. A Coordenadoria de Ações Afirmativas (CAAF) é responsável pela estruturação e acompanhamento da Comissão, cujo trabalho é baseado na Orientação Normativa número 3 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, que estabelece as regras de aferição da veracidade da autodeclaração prestada por candidatos negros.
A norma estabelece que a verificação deverá considerar somente os aspectos fenotípicos do candidato, ou seja, se suas características são as de uma pessoa negra. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) define como negras, tanto as pessoas pretas como as pardas. A adoção do critério fenotípico era uma demanda antiga de diversas correntes do Movimento Negro. Ela é baseada no entendimento de que, no Brasil, o preconceito racial ocorre pela aparência, ou seja, por traços como a cor da pele, formato do nariz, boca e textura do cabelo. Dessa forma, argumentos como o de que algum ancestral era negro não são válidos se a pessoa não apresenta as características fenotípicas de alguém preto ou pardo.
A Mestra em História Marcia Danielle, que participou do processo de luta pela implantação de cotas raciais na UFG, lembra que o trabalho das comissões e a adoção do critério fenotípico foi uma das principais preocupações do Movimento Negro na universidade. “As comissões são fundamentais para barrar os fraudadores e garantir a presença de estudantes negros e negras nos cursos, para que a universidade, assim como outros espaços de poder da sociedade, possa ser enegrecida com pessoas, de fato, negras, e não com ‘brancos afro convenientes racistas’”, afirmou. Márcia também destacou a importância da presença de pessoas negras nas bancas de verificação. O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão define que as comissões deve ter seus membros distribuídos por gênero, cor e, preferencialmente, naturalidade.
Verificação da autodeclaração na matrícula é demanda do Movimento Negro
Comissão busca o diálogo com a comunidade
A coordenadora da CAAF, Marlini Dorneles de Lima, afirmou que, apesar do pouco tempo entre a publicação da Resolução que determina a criação das comissões e o início das matrículas, houve um trabalho no intuito de garantir a representatividade dos diversos grupos e a participação de pessoas comprometidas com a temática étnico racial. Para o processo desse ano, a CAAF optou por convidar apenas servidores da UFG enquanto analisa a viabilidade legal da participação de membros externos. “O que há em outras universidades é que servidores de outras instituições podem participar. A gente ainda está dialogando sobre isso. Há uma tendência de a gente achar isso importante e necessário, mas para essa versão não será possível”, afirmou Marlini.
A coordenadora disse ainda que a CAAF está fazendo um esforço para estabelecer um diálogo entre a Comissão de Verificação e os movimentos sociais interessados nas ações afirmativas. “Eu estou falando com membros externos para esclarecer esse trabalho. É recomendável e a gente está vendo que em outras universidades que a gente considera que têm uma trajetória interessante sobre ações afirmativas, estão chamando audiências públicas, chamando inclusive a promotoria para debater”, explicou.
Autodeclaração deverá ser assinada diante da banca de verificação
Candidato que tiver a matrícula indeferida poderá entrar com recurso
A verificação da autodeclaração vai ocorrer no momento em que o candidato for se matricular. Ao iniciar o procedimento de matrícula, o estudante que estiver ingressando por meio de reserva de vagas vai passar por algumas comissões, de acordo com a categoria de cota utilizada por ele. As comissões são de Escolaridade, Acessibilidade, Análise da Realidade Socioeconômica e Verificação da Autodeclaração, todas instituídas por meio da Resolução número 32/2017 do Conselho Universitário da UFG.
Para os estudantes que ingressaram por cotas para pretos e pardos, o procedimento de verificação da autodeclaração será composto por duas etapas. Além de assinar a autodeclaração diante da banca, o candidato vai passar por uma entrevista gravada. No caso dos cotistas negros quilombolas, o estudante deve passar pelo mesmo processo, mas a banca ainda vai ter acesso à declaração da comunidade quilombola. Os indígenas também devem se apresentar à banca, mas não serão entrevistados, pois o que valida a autodeclaração, nesse caso, é o Registro Administrativo de Nascimento Indígena (RANI) ou uma declaração da Comunidade Indígena sobre a condição étnica do candidato.
A verificação da autodeclaração vai ocorrer durante todo o período de matrícula, em todas as Regionais, e não é necessário agendar um horário. A estrutura na Regional Goiânia será composta por seis bancas atuando simultaneamente, para garantir a agilidade do processo. Após passar por todas as comissões, o candidato será informado se houve indeferimento. Caso a matrícula seja indeferida, o estudante poderá recorrer dentro do prazo previsto no cronograma de sua Regional. O candidato que tiver a matrícula indeferida pela Comissão de Verificação da Autodeclaração vai passar por uma nova banca, com membros diferentes dos que atuaram na primeira etapa. Ao assinar a autodeclaração, que está disponível no site da matrícula, o estudante declara estar ciente de que a prestação de informações falsas pode acarretar sua eliminação no processo seletivo.
Verificação ainda é alvo de polêmica
Apesar de estarem em vigor em diversas instituições brasileiras há mais de 10 anos, as cotas baseadas em critérios étnico raciais ainda são alvo de polêmicas, muitas vezes motivadas pela falta de informações ou pela disseminação de informações equivocadas sobre o tema. Os fundamentos das cotas raciais foram um dos principais assuntos debatidos durante a capacitação realizada no dia 20 de fevereiro com os cerca de 30 integrantes da Comissão de Verificação da Autodeclaração.
Algumas instituições que já adotaram o procedimento no Brasil, como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foram acusadas de promover um “tribunal racial”. Durante a capacitação, a coordenadora da CAAF, Marlini Dorneles, destacou que o trabalho da Comissão não é julgar quem é negro ou branco, mas apenas verificar se o que está sendo declarado pelo candidato é condizente com a realidade, levando em consideração apenas o critério fenotípico, conforme previsto no edital de matrícula do SiSU/UFG.
Em entrevista, a Coordenadora do Grupo de Trabalho em Ações Afirmativas da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da UFG, Luciene de Oliveira Dias, destacou que a autodeclaração é um documento que pode ser verificado como qualquer outro. “Se você apresenta uma nota fiscal que diz que você comprou um produto, eu posso verificar se o que está escrito na nota condiz com a realidade. Por que esse ato só é questionado quando é referente a uma autodeclaração étnico racial?”, questionou.
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