Estudo propõe selo de qualidade para produtos Kalunga

Estudo propõe selo de qualidade para produtos Kalunga

On 27/11/15 07:43 .

Registro de indicação geográfica para produtos da região promove distinção e valorização no mercado

   

Texto: Wanessa Olímpio

Fotografia: Rede Pró Centro-Oeste - Curraleiro e Bovino

Infografia: Vinícius G. de Aguiar 

 

 

Situada no Nordeste de Goiás, a Comunidade Quilombola Kalunga reúne povoados situados em regiões de difícil acesso e longe de cidades. Os moradores destas localidades sobrevivem do plantio de roçados, da criação de animais e, em alguns lugares, do turismo. No entanto, estas práticas são insuficientes para garantir o sustento de muitas famílias. Atento a essa realidade, o advogado Rodolfo Franco desenvolveu em seu mestrado no Programa de Pós-graduação em Direito Agrário da UFG uma dissertação, defendida em 2014, com a proposta de criação de arranjos produtivos locais (APLs) para os Kalungas.

Os APLs são empreendimentos formados por uma comunidade ou um conglomerado de cidades próximas que produzem um determinado produto com características relacionadas à região de origem. A ideia é organizar um modelo assim na Comunidade Kalunga. Os produtos a serem comercializados seriam a carne e o leite do gado Curraleiro Pé-Duro, que é criado na região. Por esses animais se alimentarem apenas da pastagem nativa, seus subprodutos possuem um sabor que só é encontrado naquela localidade.

Devido aos atributos dos derivados desta espécie de bovino, Rodolfo Franco sugeriu em sua dissertação o reconhecimento de propriedade intelectual destes produtos, com o registro de indicação geográfica na modalidade denominação de origem, possibilitando a distinção no mercado destes artigos pelas suas particularidades. “A carne e o leite do bovino Curraleiro Pé-Duro têm composição e sabor diferenciados vinculados aos atributos da região como as pastagens, o tipo de água e de manejo”, detalha.

A proposta visa inserir os APLs Kalunga na Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) para que eles consigam apoio governamental. “Primeiro avaliamos a viabilidade econômica daquele produto, se a carne e o leite do bovino Curraleiro Pé-Duro terá retorno para aquela comunidade e para o próprio Estado e, então, tentamos lançar esse produto no mercado”, acrescenta Franco. Com a indicação geográfica, os produtos poderiam ser reconhecidos com um selo de qualidade, proporcionando aumento da renda dessa população.

 

Mapa Localização do sítio histórico Kalunga 

 

Regulamentação da terra

Para prosseguir com o processo de registro da indicação geográfica é necessário que os moradores do Quilombo Kalunga tenham um documento que comprove que são donos das terras onde vivem, mas a maioria não possui tal titulação de posse. Segundo o pesquisador, Rangel Donizete, que escreveu uma dissertação sobre o tema em 2012 no Programa de Pós-graduação em Direito Agrário da UFG, o quilombo do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga é o maior em extensão territorial do país, abrangendo aproximadamente 262 mil hectares. O local não é ocupado apenas pelos Kalunga, a terra sofreu ação de grileiros e há também outros fazendeiros que possuem a certidão dos imóveis.

Para que as propriedades voltem a pertencer aos quilombolas, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) promove ações na justiça de desapropriação das terras. São averiguadas as fazendas nas quais os proprietários possuem o documento de propriedade da terra, estes são desapossados e recebem uma indenização pelo imóvel que, posteriormente, é devolvido aos Kalunga. Em seu trabalho, Rangel Donizete defende que a terra é o instrumento de subsistência daquela comunidade. “Espero poder influenciar nas tomadas de decisões em todos os poderes, tanto na construção de novos instrumentos normativos no legislativo, quanto no julgamento das ações e na política de ações administrativas. Espero que o trabalho implique em melhoria de vida, não só para os quilombolas, mas para todos”, afirma Rangel Donizete.

  

Os trâmites da desapropriação são promovidos individualmente em cada propriedade. “O processo ainda está lento. Na fase administrativa são definidos o perímetro da área e os marcos, além de avaliar a proposição de ações de desapropriação”, acrescenta ele. Segundo Rangel Donizete, todo esse processo pode levar mais de 30 anos, o que pode dificultar o pedido de registro da indicação geográfica e, consequentemente, a promoção dos APLs.

 

Gado Curraleiro

Desde 2000, a Pró-reitora de Pesquisa e Inovação da UFG e professora da Escola de Veterinária e Zootecnia da UFG, Maria Clorinda Soares Fioravanti, desenvolve projetos para evitar a extinção do bovino Curraleiro Pé-Duro no Brasil. Na busca por exemplares da raça, a pesquisadora soube que havia alguns na região de Monte Alegre, Teresina e Cavalcante com os quilombolas Kalunga.

Devido a uma demanda da própria comunidade, que queria voltar a criar o bovino Curraleiro Pé-Duro em Cavalcante, a professora coordenou um projeto para reintrodução da raça na região. O projeto adquiriu 80 animais que foram repassados para dez famílias. Dois anos depois, receberam uma doação de mais 80 cabeças, que foram utilizadas para repor a perda de animais que faleceram e para aumentar as famílias participantes do projeto. A metade dos bezerros que nascem pertencem ao projeto e são utilizados para a formação de novos lotes para distribuição.

Com as frequentes visitas à comunidade, outras necessidades foram aparecendo. “Começamos a perceber outras demandas e daí nasceu o Kalunga Cidadão”, lembra Maria Clorinda Fioravanti. O Kalunga Cidadão é um projeto interdisciplinar que, desde 2011, organiza ações com o objetivo de levar inclusão a essas comunidades e que promove a inserção de outras áreas de conhecimento, como Direito, Odontologia, Geografia, Agronomia e Engenharia, visando levar mais qualidade de vida aos quilombolas Kalunga.

Gado Curraleiro

Carne e leite do bovino Curraleiro Pé-duro tem composição e sabor diferenciados vinculados aos atributos da região, o que possibilita o registro de indicação geográfica 

 Esta matéria está no Jornal UFG nº75. Acesse a versão do Jornal UFG on-line.

Quelle: Ascom/UFG

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