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Em busca de um projeto popular para o SUS

In 31/08/10 22:44 .
Integrantes da Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde se reúnem em Goiânia para debater e propor políticas

Por Patrícia da Veiga (Ascom/UFG)

Fotos: Vinícius Batista

 

Todo cidadão brasileiro tem direito a assistência à saúde. Porém, para que isso seja garantido, é preciso uma luta política diária. Luta, às vezes, que ultrapassa os limites do consultório médico, dos ambulatórios e dos hospitais.

Em busca de reduzir diferenças sociais que, muitas vezes, impedem que todos sejam contemplados pela política nacional de saúde, profissionais, professores, estudantes, militantes, entre outros interessados, reuniram-se em Goiânia, da última quinta-feira (29/7) até este sábado (31/07), para três eventos simultâneos: I Encontro Nacional de Práticas Populares de Saúde, o III Encontro da Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS) e o Seminário da Articulação Nacional de Extensão Popular (ANEPOP).

Os encontros convidaram mestres populares, como curandeiros, raizeiros e parteiras, principalmente da zona rural, para compartilhar com profissionais das cidades experiências em cura e prevenção de doenças. A proposta, inspirada na educação popular e nas ideias do educador Paulo Freire, é integrar os saberes tradicionais ao atendimento realizado com base em procedimentos técnico-científicos.

Para tanto, uma grande roda de conversa, realizada na manhã de sexta-feira, convidou quatro parteiras para relatar suas experiências. Josefa da Guia, moradora do quilombo de Poço Redondo, em Sergipe, fez contas de ter contribuído com cinco mil partos e nunca ter visto uma mulher com complicações. “Nós temos nossos banhos, nossos chás e isso ajuda muito na saúde das mães. Acontece que os governantes não vão na nossa comunidade para conhecer o que temos”, exclamou.

Ela narrou com simplicidade e sentimento o vínculo que, desde os 11 anos, tem estabelecido com as pessoas que passam por suas mãos. “Me chamam de madrinha”, comentou. Josefa da Guia ressaltou ainda como é importante os profissionais acompanharem e acariciarem a barriga das mães, como uma forma de acompanhar o desenvolvimento do bebê que está prestes a nascer. Ela reafirmou também o benefício de um parto natural. “Tem de ter dor, quanto mais filhos, maior é a dor, faz parte da nossa natureza e da vida”, pronunciou, diante de um auditório lotado.

O I Encontro Nacional de Práticas Populares de Saúde, o III Encontro da ANEPS e o Seminário da ANEPOP foram estruturados em rodas de conversas, que sempre mesclavam narrativas de histórias de vida, festa e muito debate político. Em verdade, a separação entre os eventos foi algo que ocorreu apenas formalmente, pois, na prática, todos os participantes demonstraram união.

 

Compartilhar foi um dos verbos mais conjugados durante o I Encontro Nacional de Práticas Populares de Saúde, o III Encontro da ANEPS e o Seminário da ANEPOP. Na noite de quinta-feira, uma roda de música acompanhou os debates

 

A preocupação maior girou em torno da angústia de como transformar a efervescência de ideias e saberes em políticas públicas efetivas. Para tanto, ainda que todas as pessoas se sentissem bastante à vontade em relatar suas experiências (todas as grandes e pequenas rodas de conversa duraram mais do que o previsto), o foco sempre retornava ao seu princípio: encontrar possíveis alternativas para o funcionamento e a reafirmação do SUS, com base nessa perspectiva popular.

“Que venha compartilhar, mas também apontar nossas estratégias de resistência e luta”, pronunciou Vera Dantas, médica e doutora em Educação, servidora do SUS em Fortaleza, na noite de quinta-feira, quando do início do evento. Vera comentou que há cerca de quatro anos a ANEPS não se reunia e, por mais que o movimento de educação popular e saúde no Brasil tenha tido avanços, ainda há muito que conquistar. “Nosso desafio é: como retirar a sabedoria das pessoas de suas práticas individuais?”, explicou.

Assim como outros integrantes do evento, Vera solicitou o auxílio das universidades nessa empreitada, uma vez que modificar as políticas em saúde é tarefa, também, da educação. “As práticas integrativas têm espaço, mas não são hegemônicas e nosso desafio ainda esbarra na formação dos profissionais em saúde. Como introduzir esses conteúdos? Se a produção científica na universidade não se abrir para o diálogo, como vamos orientar o trabalhador?”, indagou a médica.

 

Vera Dantas, do Ceará: "É preciso que as universidades estejam abertas ao diálogo"

 

Acompanharam a programação pessoas vindas de Mato Grosso, Ceará, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Distrito Federal, Bahia, entre outros estados. Também participaram do evento o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Júnior, representantes dos conselhos estaduais e municipais, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e líderes de várias entidades de base. O vice-reitor da UFG, Eriberto Francisco Bevilaqua Marin, também marcou presença, ressaltando a importância do evento.

 

Lamparina acesa – Parcival Moreira, Valdemir Pereira, Sebastião Souza, Alair Aparecido, Romário Pimentel e José Coelho são senhores que hoje vivem nas cidades, mas têm uma vasta experiência campesina para narrar. Eles são pioneiros nessa caminhada dos movimentos de educação popular e saúde e, em Goiás, na década de 1970, fizeram história com articulações que ganharam o nome de Meio Grito e Lamparina.

Vindos de Inhumas, Itapuranga, Itaberaí, Anápolis, Caldazinha e Goiânia, eles foram homenageados pela ANEPS na noite de quinta-feira, onde puderam contar como e por quais motivos se engajaram na luta pela universalidade do acesso à saúde.

Religiosos como grande parte dos trabalhadores rurais, eles conheceram o poder mobilizador da educação popular por meio da Teologia da Libertação, difundida por uma ala à esquerda da Igreja Católica. Assim que tiveram consciência de que poderiam mudar a realidade dos locais onde viviam, se engajaram pela instalação de sindicatos e conselhos de saúde. Naquela época, apenas os trabalhadores com carteira assinada, por meio do extinto INAMPS, tinham acesso ao atendimento público.

Não à toa, o símbolo de todo esse encontro entre profissionais e mestres populares foi uma lamparina.

 

Meio Grito e Lamparina: Trabalhadores rurais que lideraram os primeiros movimentos em prol da saúde pública em Goiás foram homenageados

 

Direito social – A saúde é um direito social instituído pela Constituição Federal e previsto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da Lei nº 8.080/90. Até então, não havia um modelo universal de atendimento ao cidadão. Antes da reabertura política do país e da formulação da Carta Magna, o atendimento público era garantido parcialmente, ou a quem podia pagar ou ao trabalhador com carteira assinada, por meio do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS).

Conforme o artigo 6º da Constituição de 1988, além da saúde, também são direitos sociais de todas as pessoas educação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, assistência aos desamparados e proteção à maternidade e à infância.

Fonte: Ascom/UFG

Categorie: Saúde