UFGInclui 15 anos

15 anos do UFGInclui: começo, meio e começo

Em 14/12/23 22:21.

Evento comemorou programa de inclusão de indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência

Texto: Luiz Felipe Fernandes
Fotos: Evelyn Parreira

Uma festa para comemorar o que começou há 15 anos. Depois de mais de cinco séculos de violência, exclusão e violação dos direitos humanos em todas as suas formas, este é de fato apenas o começo. Mas começo de uma mudança sem volta. Ou, como na subversão da linearidade espaço-temporal tão bem traduzida nos versos do poeta e líder quilombola Nêgo Bispo, "começo, meio e começo".

Quem esteve no auditório da Biblioteca Central, no Campus Samambaia da Universidade Federal de Goiás (UFG), na tarde desta quinta-feira (14/12), teve a certeza de ser testemunha da história. Uma história protagonizada por aqueles e aquelas que são causa e consequência do UFGInclui: estudantes indígenas e quilombolas, mestras e doutoras, professores, servidores técnico-administrativos e gestores, reunidos para comemorar os 15 anos do programa.

Marco institucional e da luta dos movimentos sociais, o UFGInclui foi criado em 2008 para ampliar o acesso ao ensino superior de indígenas e quilombolas, além de pessoas surdas. O programa gera uma vaga extra em cada curso de graduação onde houver demanda indígena e quilombola, bem como para candidatos surdos na graduação de Letras/Libras. O evento de comemoração dos 15 anos do programa integrou as atividades da semana de aniversário da UFG, que completou 63 anos exatamente nesta quinta-feira.

UFGInclui 15 anos
Carta aberta foi lida por Marta Quintiliano, Mirna Anaquiri, Márcia Rocha e Yuninni Terena

 

Carta aberta

O evento teve início com a leitura emocionada de uma carta aberta. "Falar do programa UFGInclui é falar de sonhos, de desejos e de lutas pelas vidas e existências das pessoas que construíram tudo isso que conhecemos por Brasil", iniciou Mirna Aniquiri. A doutora em Arte e Cultura Visual pela UFG ressaltou que o programa é resultado da luta de quilombolas e indígenas que ousaram passar seus sonhos ancestrais de geração em geração, após anos de racismo e genocídio dos povos originários e negros.

Mirna lembrou da organização e mobilização dos estudantes para o acolhimento e acompanhamento "daqueles que já estavam e dos que estavam por vir". "Demarcamos este território-universidade com nossa ciência, com nosso conhecimento, para formar futuros líderes".

Márcia Rocha deu continuidade à leitura da carta evocando "sorrisos, lágrimas e conquistas". "Quando um vencia, sentíamos que todos estávamos vencendo", destacou a mestra em Antropologia Social pela UFG. Ela ressaltou o apoio de professoras e professores que contribuíram para lembrar que não se deixa de ser quilombola ou indígena quando não se está no território de origem. "Afinal, o Brasil inteiro é território quilombola e indígena. Quilombo somos nós, independente de onde estejamos".

Márcia ainda enfatizou que, embora a estrutura tenha começado a se mover com a presença indígena e quilombola, ainda há muita luta pela frente. "O racismo ainda nos encurrala no território-universidade", lamentou.

UFGInclui 15 anos
"Revolução delicada, que transforma vidas", disse a secretária de Inclusão, Luciana Dias

 

Ocupar por direito

A carta também abordou a falácia de que as políticas afirmativas provocariam uma queda na qualidade da formação e que estudantes beneficiados com essas ações teriam resultados piores que os demais.

"Duvidaram da nossa capacidade intelectual e desacreditaram os nossos corpos. Estamos aqui fazendo pesquisa, fazendo ciência, de dentro das comunidades. As notas não caíram e estamos ocupando um espaço que é nosso por direito", disse Marta Quintiliano, mestra e doutoranda em Antropologia Social pela UFG.

Marta acrescentou que o programa significa o início da reparação histórica. "Queremos aprender os códigos da universidade, mas queremos imprimir os nossos códigos também". Ela destacou que a trajetória dos estudantes não se deu sem violência psicológica e assédio moral. Por isso a importância do programa também para a formação docente, para "ensinar a respeitar a diferença por meio da educação quilombola e indígena".

Finalizando a leitura da carta, Yuninni Terena lançou um olhar para o futuro, que passa pela continuidade do UFGInclui como política pública, com ampliação de vagas e garantia de permanência. Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela UFG, ele abordou a necessidade de ter não só mais estudantes, mas também mais professores e técnicos administrativos indígenas e quilombolas – até o momento são apenas dois docentes indígenas no quadro efetivo da UFG.

"Estamos hoje aqui por cada um e cada uma de ontem, de hoje e de amanhã. A Universidade ganhou cores e saberes que perpassam o tempo. A Universidade somos nós. Somos quilombos e aldeias. Sendo assim, a Universidade precisa ter a nossa cara", concluiu.

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Para a reitora Angelita Lima, UFG é um campo fértil para responder às demandas sociais

 

Enfrentamento

O diretor de Ações Afirmativas, Pedro Cruz, explicou que o UFGInclui nasceu de uma necessidade explícita de apoiar segmentos da sociedade historicamente discriminados e excluídos do acesso a bens e espaços de poder, entre eles a educação.

Pedro, que também é secretário adjunto de Inclusão, afirmou que comemorar os 15 anos do UFGInclui é manter viva a importância histórica da construção das políticas afirmativas da Universidade. "Mesmo diante de tantas adversidades, a UFG não cruzou os braços, enfrentou todas as dificuldades, busca soluções para os problemas e consegue dar um passo adiante".

O resultado está nos números do programa. Desde sua criação, 5.888 estudantes ingressaram na UFG por meio dessa política afirmativa. Desses, 3.121 são hoje profissionais formados que atuam nos mais diversos campos.

A secretária de Inclusão da UFG, Luciana de Oliveira Dias, fez questão de ressaltar que a presença dos estudantes – atuais e egressos – é o que dá sentido e significado às ações da Universidade. O programa, segundo a professora, é um mergulho profundo na concepção de inclusão, não se restringindo ao ingresso, mas garantindo também a permanência, a geração de sentimento de pertencimento e a mudança das estruturas ainda contaminadas pela exclusão.

Luciana ressaltou que, nesses 15 anos de existência, o UFGInclui tem promovido uma "revolução delicada, que forma e transforma vidas". O programa tem possibilitado a confluência de saberes e a reumanização, por garantir direitos elementares, como o da educação. Por isso, falar de UFGInclui é "falar de vida que pulsa, que vibra, que inclui, que emociona, que politiza, que forma, que transforma e que se atualiza; que flui, conflui, com flui".

UFGInclui 15 anos
Evento prestou homenagem a estudantes atuais e egressos, servidores e gestores da UFG

 

Desafios e conquistas

Também bastante emocionados, ex-gestores da UFG falaram sobre os desafios e as conquistas em suas experiências pessoais com o UFGInclui. O ex-reitor Orlando Afonso Valle do Amaral lembrou que, durante muito tempo, o ensino superior era privilégio de pessoas brancas das classes média e alta.

"Isso mudou e mudou muito. E mudou pela luta de vocês e dos que vieram antes, que brigaram por este espaço", disse Orlando. Ele também ressaltou a importância da ampliação do número de vagas, dos programas de permanência e do investimento público, proporcionados por iniciativas como o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni).

Sandramara Matias Chaves, que foi vice-reitora e pró-reitora de Graduação da UFG, recordou que, durante muito tempo, os cursos de mais alta demanda da Universidade eram ocupados por candidatos oriundos de escolas particulares.

Tendo feito parte da concepção do UFGInclui, ela mencionou as discussões e os embates que culminaram na implantação do programa de forma pioneira em 2008. Uma das exigências, segundo Sandramara, era a realização de seminários de avaliação, que ano após ano têm constatado que o desempenho dos estudantes é igual ou melhor que o dos demais. "Isso me dava ainda mais certeza de que estávamos no caminho certo", completou.

Também evocando a história do programa, o ex-reitor Edward Madureira Brasil recordou que a primeira grande batalha para pautar a inclusão na UFG foi fazer valer uma decisão do Conselho Diretor da Faculdade de Direito, que aprovou, em 2005, a criação de uma turma especial para assentados da reforma agrária. "Foi uma luta nos tribunais, na imprensa e dentro da própria Universidade", disse.

Mas o caminho ainda é longo. Para Edward, o problema só será resolvido se a educação for priorizada desde suas etapas iniciais. A solução, segundo ele, passa por investimento na educação básica, valorização do professor e, no ensino superior, pela expansão das vagas. "Estamos atendendo menos de 20% dos jovens de 18 a 24 anos na educação superior. Precisamos chegar a 35% ou 40% para conseguirmos transformar o país", afirmou.

UFGInclui 15 anos
Integrantes das gestões atual e passadas relembraram os desafios da inclusão na UFG

 

Presente

A reitora da UFG, Angelita Pereira de Lima, fez questão de salientar o quão simbólico era a comemoração dos 15 anos do UFGInclui justamente no dia em que a Universidade completava 63 anos. "É um presente que a Secretaria de Inclusão nos dá", celebrou.

Angelita citou outras iniciativas relacionadas à inclusão na UFG – "campo fértil para responder às demandas", segundo ela –, como o projeto Passagem do Meio, dos professores Alex Ratts e Joaze Bernardino-Costa, e a implantação do programa federal Conexão de Saberes, que visava articular universidades e comunidades populares.

Mais recentemente, a reitora lembrou da reparação histórica feita pela UFG ao conceder, este ano, o título de doutora honoris causa à professora, jornalista e poeta Leogedária Brazília de Jesus. Ela foi a primeira mulher negra a publicar um livro de poesias em Goiás – Corôa de Lyrios, editado em 1906. Leogedária é considerada precursora da literatura feminina no estado, além de um expoente na luta pela igualdade de gênero.

Além disso, Angelita pontuou que a UFG priorizou a construção da casa dos estudantes indígenas dentro do atual Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. "Esta luta faz da UFG uma instituição mais forte, mais digna, mais humanizada; uma instituição mais ampla, mais diversa e competente do ponto de vista da construção do conhecimento", finalizou.

O evento foi encerrado com a homenagem aos participantes. Servidores – incluindo gestores, professores e técnicos administrativos – receberam o certificado de reconhecimento por relevantes contribuições ao programa UFGInclui, e estudantes atuais e egressos receberam o certificado de gratidão por ser UFG e integrar o programa UFGInclui.

Fonte: Secom UFG

Categorias: Notícias SIN UFGInclui