genor sales fav ufg - arquivo pessoal

Estudante da FAV é selecionado pelo projeto Pemba: Residência Preta

Em 16/05/22 10:39.

Genor Sales foi escolhido entre 150 artistas para integrar ação do Serviço Social do Comércio

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Genor Sales: discente do 3º período do curso de licenciatura em Artes Visuais

 

Texto: Renato Cirino

Fotos: Genor Sales e arquivo pessoal

Os fios de uma memória afetiva sustentam a sensibilidade artística de um homem que nasceu e cresceu na região periférica de Goiânia (GO). A sua experiência de vida, angariada em um cerrado que não existe no centro urbano da capital goiana, movimenta questões pungentes que relacionam história, memória, simbolismos, música, cultura e identidade negra.

É assim que o estudante da FAV, Whogenor Sales - conhecido por "Genor Sales" - , 37, vê o seu fazer artístico. Ele diz que busca "abordar a valorização e preservação do cerrado através da memória afetiva", por meio de referências que envolvem animais típicos do bioma da região e por "símbolos como os lanceiros negros e adinkras como uma forma subjetiva de mostrar a resistência da população negra", completa o artista.

Antes de ingressar no curso de licenciatura em Artes Visuais na Faculdade de Artes Visuais (FAV/UFG) em 2021, Genor já trabalhava com xilogravura. Os principais registros talhados em superfícies de madeira, ferro ou borracha, formam imagens impressas de pássaros, tatus, lobos-guarás entre outros animais pertencentes à fauna goiana. Mulheres pretas como Lélia Gonzales, Beatriz Nascimento, Leodegária de Jesus e Luiza Barros também inspiram o artista em sua jornada pelas artes visuais.

O meu País é meu lugar de fala

As inspirações de Genor Sales transitam entre as raízes da cultura afro-brasileira, a cultura popular nordestina e o movimento musical hip hop. Segundo o artista, ele procura "colocar a junção destes três elos em meu trabalho, cruzando o tradicional e o contemporâneo". Para além dos trabalhos em artes visuais, ele também é DJ e trabalha com "pesquisa musical direcionada ao resgate de nomes de artistas negros que não tiveram o devido reconhecimento na música popular brasileira", conta.

A expressão "A arte imita a vida ou vida imita a arte?" questionando os espaços entre cotidiano e manifestação de sensibilidade perdem a característica binária quando atribuída na trajetória de Genor. Isso porque, arte e vida são elementos imbricados e indissociados de quem ele é e de praticamente tudo que ele faz.

O estudante de artes vê em seu trabalho "a possibilidade de questionar acessos da população negra através da minha própria trajetória de vida, homem negro que cresceu afastado do centro e viveu intensamente o cotidiano da periferia goianiense", e completa "ter a oportunidade de mostrar para pessoas da mesma ou realidade parecida que a arte muda vidas e é um forte instrumento para que possamos contar a nossa própria história". 

O meu país é o meu lugar de fala
O meu País é o meu lugar de fala 

Um peixe fora d'água

É assim que se sente o artista preto que nasceu e cresceu distante do centro urbano de Goiânia. Esse também é o lugar da grande maioria da população negra goianiense que encontra dificuldades para acessar e ser agente na realização artística. Para Genor, no contexto urbano geralmente "o negro consegue se inserir através da cultura hip hop, seja através do grafite ou da pixação”, já no cenário do espaço acadêmico e do circuito artístico "o acesso ainda é muito restrito".

Na visão do estudante, a presença de pessoas negras, inclusive a dele, nesses lugares significa "portas que se abrem para que outras pessoas possam olhar, se identificar e acreditar que podem estar nestes mesmos lugares em que me encontro atualmente", relata. Em uma perspectiva empática e enérgica, ele acrescenta: "meu lugar como homem negro dentro das artes visuais é de compromisso com aqueles que não têm acesso".

Ainda que Genor Sales esteja em trânsito entre comunidade, universidade e cenário artístico, essa não é uma condição permanente e muito menos garantida. Ele vê a falta de políticas públicas, por meio de incentivos, como um dos principais desafios para se manter nessa jornada. Ele diz que, "o principal entrave é conciliar trabalho e pesquisa, pois atualmente não possuo bolsa para ter certa exclusividade para os estudos, e isso atrapalha quando precisa de uma dedicação exclusiva para uma residência ou pesquisa".

O suporte financeiro também significa um empecilho no sonho de Genor que consiste em fazer com que o seu trabalho possa "chegar em todas as camadas da sociedade, o que seria uma realização incrível", revela.

Armas dos lanceiros negros e adinkras
Lanceiros Negros 

Pemba: Residência Negra

A ação Pemba: residência preta pertencente ao projeto Dos Brasis: arte e pensamento negro fomentado pelo Serviço Social do Comércio (Sesc) é uma das iniciativas que Genor afirma ser importante para a projeção da cultura negra na sociedade brasileira. Segundo site institucional do Sesc, o projeto Dos Brasis tem o objetivo de "pesquisar, fomentar e difundir a produção artística, intelectual, e visual contemporâneas de artistas e pesquisadores afro-brasileiros ao evidenciar suas técnicas, histórias e correlações socioculturais".

De abrangência nacional, a residência artística Pemba, prevê "encontros on-line semanais com orientadores e atividades públicas, entre maio e agosto deste ano, com carga horária de 40 horas. Serão abordados temas como 'Histórias da Arte'; 'Curadoria e Raça na Arte Brasileira'; 'Os Educativos como Plataforma de Pensamento sobre Arte e Racialização'; 'Arte Brasileira, Racialização, Dissidências'; e 'Mulheres Negras e Arte Contemporânea Brasileira'".

Gravura: Piau Três Pintas
Piau Três Pintas 

 

O estudante do terceiro período do curso de licenciatura em Artes Visuais, Genor Sales, foi selecionado entre 150 artistas/pesquisadoras(es)/agentes culturais de todo o país para fazer parte dessa ação de residência que é considerada, pelos promotores do evento "um celeiro de pesquisa dessa produção no campo das artes visuais e também um lugar que prevê o desenvolvimento de processos de criação que partem da troca entre esses diferentes agentes, permitindo olhares críticos sobre os processos particulares".

Para a Pemba: residência negra, Genor realizou a seguinte proposta: "A minha linha de pesquisa se dá a partir do peixe sardinha, resgatando lembranças de minha infância, relacionando o peixe fora d'água no contexto urbano, o peixe como um alimento acessível financeiramente para a população mais pobre e ao mesmo tempo a subjetividade presente no mar como um elemento inexistente no cerrado. Esta mesma pesquisa comecei a desenvolver recentemente no Sertão Negro, espaço do artista Dalton Paula, e do qual sou residente desde o mês de abril deste ano".

A seleção para integrar a ação significou "mais do que uma conquista, representou fincar meu nome num projeto histórico para este País, principalmente no momento político difícil em que vivemos, e que o campo das artes foi profundamente atingido", desabafa o artista. Ele ainda arremata afirmando que "ter a oportunidade de fazer uma residência com pessoas pretas de todas as regiões do País e com uma curadoria incrível, é mais que um aprendizado, é uma troca de experiências de um aquilombamento dentro das artes visuais jamais visto".

Obra: Lobo-Guará
Lobo-Guará 

Escurecendo os fatos

Os e as artistas pretas ocupam os espaços dentro de suas comunidades, mas encontram dificuldades em trafegar livremente pelos ambientes canônicos das artes. É nesse sentido que Genor vê na Pemba: residência preta, a "plena possibilidade de enriquecer o meu repertório como artista negro, além da visibilidade que artistas em início de carreira terão", expõe.

Ele acredita que essa iniciativa, assim como o trabalho junto com o Ateliê Sertão Negro, gerido pelo egresso da FAV, o artista premiado Dalton Paula, também é a possibilidade, de "questionar e reconstruir a história do povo negro no Brasil através das artes visuais".

Por fim, Genor Sales enfatiza que projetos como Dos Brasis que atende agentes culturais negros, projetando a cultura afro-brasileira, são "essenciais e necessários, pois dá a possibilidade de uma vivência e troca que são raros, muito por conta do racismo estrutural presente em nosso País". Ele acrescenta, "juntar pessoas negras de diversas áreas para discutir e vivenciar arte é revolucionário, ainda mais quando se olha para o descaso histórico que este País tem com a população negra", arremata.

Fonte: FAV UFG, com informações de Sesc e Cisco Produções Manuais

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